quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O verdadeiro gargalo de engenheiros

POR FERNANDO PAIXÃO E MARCELO KNOBEL

Entre as questões em debate em educação, destaca-se hoje a quantidade de profissionais em áreas de ciência e tecnologia.
Muitos propõem formar mais engenheiros e mais professores de química e física criando vagas no ensino superior para essas carreiras.
Essas propostas são importantes, mas não levam em consideração limitações dos alunos.
O que de fato limita a qualidade e o número de formandos nas áreas de ciências exatas e tecnológicas? Dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) apontam que a maior restrição está no número de jovens com habilidades mínimas em matemática.
Os resultados de avaliações internacionais tendem a repercutir entre nós apenas pela constatação de que estamos nas últimas colocações. Mas o Pisa vai muito além: fornece dados valiosos sobre o desempenho dos jovens de 15 anos.
O exame de 2009 foi feito por aproximadamente 470 mil alunos de 15 anos pelo mundo. A amostra representa 26 milhões de alunos de 65 países. Cada exame avalia três áreas --leitura, matemática e ciências-- e estabelece seis níveis de competência.
Para uma ideia do que significa um aluno estar em cada um desses níveis (ou abaixo de todos), veja abaixo exemplos de questões similares às aplicadas em matemática.

Editoria de Arte/Folhapress
Os dados mostram que 88,1% dos alunos não chegam ao nível 3 --não sabem, portanto, ler gráficos. Além disso, 96,1% não conseguem explicar o que ocorre numa troca de moeda se a taxa mudar. Mais do que impossibilitados de estudar economia, poderiam ser enganados com facilidade em qualquer outro país.
A distribuição limita o percentual dos nossos jovens em áreas que exijam competências mínimas em matemática, classificados do nível quatro para melhor. Só 3,8% dos participantes brasileiros do Pisa alcançaram esse desempenho.
Considerando que a população de jovens com 15 anos no Brasil é de aproximadamente 3,2 milhões, teríamos, no máximo, cerca de 122 mil jovens aptos para às carreiras de exatas. Esse número ainda cai no final do ensino médio, porque evidentemente há estudantes com habilidades mínimas que optam por outras carreiras profissionais.
Em 2011, o Ministério da Educação anunciou que dobraria as vagas de engenharia. Mas, em 2009, os 1.500 cursos existentes ofereciam 150 mil vagas ao ano, tinham 300 mil matriculados (embora as vagas permitissem até 750 mil, já que o curso dura cinco anos) e formaram 30 mil.
Uma alta evasão, para a qual contribui o déficit de habilidade matemática que o Pisa evidencia. Com conhecimentos tão pequenos de matemática, não surpreende que os alunos tenham dificuldades já no ensino médio. Um exemplo: para acompanhar gráficos nas aulas de física.
A Austrália tem 38,1% dos seus alunos no nível quatro ou superior na avaliação de matemática do Pisa; o Canadá, 43,3%; a Coreia do Sul, 51,8%. O Brasil tem 3,8%. Esses países têm proporcionalmente pelo menos dez vezes mais alunos aptos para as áreas de exatas e tecnológicas. Mesmo com uma população bem menor, a Coreia pode formar muito mais engenheiros do que nós.
A política educacional dos últimos 20 anos tem sido colocar os alunos na escola, uma etapa importante. Hoje, o desafio é melhorar, e muito, a qualidade do ensino fundamental. No momento em que se discute um novo Plano Nacional de Educação, deveríamos propor ações concretas para atacar a raiz do problema.
FERNANDO PAIXÃO, 63, físico, é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp
MARCELO KNOBEL, 44, físico, é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin e pró-reitor de graduação da Unicamp

Blog rafaelrag com professor Adriano da Unidade Acadêmica de Física(UAF) -UFCG-CG

Comentários recebidos por email



Oi Adriano, pois é, este é um problema seríssimo e a solução não se ganha
com um bilhete premiado como o pré-sal. Devemos tentar resolvé-lo por
décadas. Infelizmente, para nós, pois isto já deveria ter sido resolvido
nos anos 80 como fez a Coréia do Sul.
Abraço,
Francisco Brito (UAF-CCT-UFCG)

Novo comentário

Até a década de 70, os alunos egressos das escolas públicas eram
considerados os mais preparados (para não dizer 'os melhores').  Ao longo dos anos, em virtude de uma política educacional equivocada e
clientelista, extremamente agravada nos últimos anos, a educação provida por estas foi piorando. A provida pelas universidades públicas também foi afetada e com perspectivas de piorar nos próximos anos (falta de investiimentos - custo per capita do aluno brasileiro é um dos menores do mundo, geração de vagas sem demandas, política de cotas, adequação do conteúdo didático ao baixo nível de conhecimento e aprendizado dos alunos,
expansão e contratações sem planejamento ou voltada a atender anseios políticos que não seja a qualidade do ensino, etc.).

Apesar do governo propalar o aumento do índice IDEB (acho que é esse o nome e tem sido avaliado com valor 5) e compará-lo com os melhores níveis educacionais básicos do mundo (dizem ser 6), a realidade é bem diferente:
nossos alunos estão entre aqueles com os de piores desempenho na América do Sul e do mundo.  Se não me engano estamos classificados em algo superior ao 80o lugar apesar de sermos a 6o economia mundial.

Lamentavelmente, esta situação tende a piorar, pois as diretrizes
políticas (fruto de uma política voltada à 'compra de votos') encaminham para avaliação de índices de atendimento da quantidade da população (e facilidade em conceder diplomas) e não da qualidade do ensino.  A reversão do processo, que ocorre do ensino básico até o universitário, se torna quase impossível dentro da filosofia adotada atualmente.

Resta, como ação a ser implantada num curto período de tempo, aplicar exames a todos os 'formandos' para conceder o direito de praticar a profissão (se tornar um profissional) em todas as áreas do conhecimento (medicina, engenharia, administração, etc.), a exemplo do que faz a OAB (com chocantes índices de aprovação inferiores a 10%). Dentro deste contexto, ter-se-ia melhor conhecimento da qualidade do trabalho praticado
nas instituições (no mínimo as obrigariam a repensar suas políticas e ações)(deveria, também, divulgar os resultados em nível nacional criando um ranking destas) e, ao mesmo tempo, protegeria a população dos riscos advindos de ações de possíveis despreparados pseudo-profissionais egressos das universidades.
Professor Wilson Curi (UAF-CCT-UFCG)
Blog rafaelrag
 

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